Uma trajetória de percalços, livre de doutrinas mas de muita batalha, cujo descanso está ainda muito distante de alcançarmos, mas que ainda possamos vivê-lo em toda sua diversidade.
Ao nos aproximarmos da data mundial dedicada às nome mulheres, 8 de março, mês em que exalta-se mais a protagonista que efetivamente demonstra a realidade. Por conta disso, pela lembrança, reverência ou homenagem,o fato é que não basta mencionar ou render homenagens, mas nos resta perguntar-nos se quando a Igualdade de Gênero, de fato, existe?. E, se existe, em que momento foi uma realidade em minha vida?. Talvez a melhor resposta resida no fato de ter de haver uma data, uma efeméride, para marcar isso que ainda não conquistamos nem sequer a equidade.
Eu me dei conta dessa questão de gênero há uns quinze anos. Estava sentada no trem indo para o trabalho em Estocolmo, capital sueca, lendo o jornal da manhã – o Metro -, sobre as comemorações do Dia Internacional da Mulher. Lembro que a manchete estampada na capa trazia a informação de que, apesar do grande progresso conquistado pela Suécia, o país ainda enfrentava grandes desafios na questão de igualdade de gênero. ensei: ‘Um pouco de exagero, não?!’ , tendo em vista que aquela nação é uma das mais igualitárias do mundo.
Na época, meus filhos ainda eram muito pequenos, e eu achava um exagero as propagandas de loja de brinquedo, na tentativa de quebrar o estereótipo de gênero, estampar meninos brincando na cozinha e meninas na sessão de carro. Não por que cozinha era lugar de menina e oficina lugar de homem. Muito pelo contrário, os papéis de gênero já não eram um tabu para mim, mesmo porque essa não eraa lógica na minha casa. Morando há tantos anos na Europa, eu e Christian dividíamos todos os afazeres domésticos, inclusive, o famoso buscar e deixar na escola. Tudo era repartido, meio a meio. Sem falar que Yuri amava cozinhar comigo (uma década depois, ele ainda adora compartilhar seus dotes culinários comigo).
O fato é que apenas quando decidimos voltar ao Brasil, em 2013, eu comecei a ver o feminismo com outros olhos. Sofri diversos questionamentos, como por exemplo o estilo de vida que eu e Christian, propositalmente, decidimos manter, com a divisão de tarefas e não ceder à lógica do servilismo brasileiro, como a obrigatoriedade de termos uma empregada doméstica.
Morar novamente no Brasil e me deparar com a realidade do machismo local fez com que eu, que não sou adepta a rótulos, fizesse questão de assumir o de ser feminista com orgulho. Escreveria na testa se pudesse e usaria camisetas com tais dizeres para todos verem.
Viver aqui no Brasil com notícias diárias de feminicídio, mulheres com jornadas triplas, e de que levaríamos 108 anos para alcançar a igualdade de gênero me fez, de fato, ter orgulho em me considerar feminista.
Mas eu esqueci que ser feminista não é uma questão de opinião, mas antes um valor. Feminismo é feito de ações e não de uma quantidade de mulheres ou pessoas que se denominam feministas. A questão não é semântica.
Aliás, eu fui começar a aprender mesmo sobre feminismo nas redes sociais com vários posts e grupos de discussões que democratizaram o movimento.
No entanto, a loucura das redes sociais, em especial o Instagram, fezi com que eu me engajasse ferozmente nas discussões, se a ação de fulana ou sicrana que criticava o feminismo e se dizia antifeminista, ou mesmo sobre alguma outra vertente do feminismo, e lá estava eu gravando stories para rebater, fazendo posts, comentando ou mesmo costurando (uma ferramenta especial do TikTok que serve, digamos, de ataque ).
Não tenho dúvida do poder das mídias sociais como uma ferramenta de mudança e propagação dos conceitos do feminismo, que antes só poderiam ser adquiridos em livros ou universidades. Porém, ao focar nas ações de uma mulher que se denomina feminista, tiramos o foco do feminismo em si, deslocando o olhar para o indivíduo e não para a questão sistemática.
Veja bem: o feminismo trata de um problema estrutural da sociedade e não o de uma pessoa, individualmente. E ainda assim gastamos centenas de horas nas redes sociais criticando sicrano ou fulano porque suas ações são ou não feministas.
Sem contar que essa briga eterna torna o movimento extremamente vulnerável. Quando nos limitamos a alimentar nossos conhecimentos apenas por pessoas que acompanhamos, o risco é muito grande de nos frustrarmos. Simplesmente porque essas pessoas são humanas, e humanos erram e/ou em algum momento não irão agir de acordo com o nosso entendimento, cumprindo nossas expectativas. Então, todo aquele “conceito” que tínhamos como “feminismo” cai por terra. De repente não somos mais feministas.
Diante de tudo isso, eu me pergunto: quanto o patriarcado se fortaleceu em quase duas décadas do fenômeno das redes sociais?
Feminismo não é colocar um batom vermelho ou usar um vibrador. Feminismo não é sobre se sentir bem por um instante.
Feminismo não é fazer cirurgias plásticas porque uma mulher pode se sentir melhor assim. Feminismo é entender que a cirurgia plástica é resultado de estar sempre em busca de um padrão de beleza ideal.
A sensação é de que com tanta evolução no feminismo, esquecemos o nosso verdadeiro objetivo. Sabe o ditado, ‘engole um elefante e se engasga com uma formiga’? Pois bem. É um se importar com quem sabe mais das teorias (não estou discutindo aqui a importância delas, ainda que sejam muito importantes para o movimento), do que quem aponta o erro da outra mais rápido ou o conhecido ativismo de cadeira.
A Jane Godall, uma cientista, ativista e mensageira da paz da ONU diz algo que faz muito sentido para mim: “ Existe a evolução física e depois a intelectual, mas também a moral. E, assim, estamos nos reunindo em todo o mundo e começando a pensar em justiça. É justo ter mulheres subjugadas apenas para ter filhos e cozinhar para o marido? Não é justo. As mulheres foram e são tratadas em muitos países, por muitos anos, como se elas não tivessem o intelecto capaz de fazer coisas como o homem. Agora, podemos provar que isso não é verdade. Agora, sabemos que as mulheres podem brilhar, também como cientistas, e nos campos acadêmico, literário e político. Está demorando demais em alguns países, mas é uma evolução moral gradual.”
Esse pensamento da Jane Godal reflete para mim o que estamos passando, em especial aqui no Brasil.
De repente, eu deixei de julgar pessoas que não se consideram feministas. Se você não se declara feminista, mas está de fato trabalhando para a equidade de gênero, você é merecedora da minha admiração e do meu apoio.
Ser feminista não é para todo mundo. E o feminismo ganha muito mais se pararmos de julgar as pessoas e focarmos em ações.
Conquistamos muito nos últimos 150 anos. Mas lembrar que essas conquistas não vieram de berço, e as conquistas que estão por vir não serão ganhas por debates, posts e comentários em redes sociais é fundamental para que possamos progredir.
Precisamos sempre lembrar, como diz Nina Akestam: “O que o patriarcado está fazendo, enquanto eu estou aqui escrevendo comentários agressivos no Instagram”?
Quando olho para a minha vida pelas lentes do feminismo, porém de uma forma mais empática, eu consigo enxergar que minha mãe, mesmo de forma inconsciente, sempre me educou para trabalhar fora de casa e nunca me ensinou a pregar um botão (e olha que meus avós eram costureira e alfaiate, sem contar que minha mãe costura com perfeição!) porque, na cabeça dela, independência era conseguir quebrar aquela barreira (ela só não contava que teríamos que levar as duas coisas nas costas).
Eu vejo também minha filha, hoje com 13 anos, que enxerga um mundo de uma forma default – não binário e feminista. Ela deixa isso claro nas suas ações, na sua fala, nas suas escolhas e principalmente quando olha para mim em uma das nossas muitas conversas, cruza seus bracinhos e pergunta: “Você acha, mamãe, que o machismo pode ser justificado? Que homofobia pode ser justificada? Não pode!“, da forma mais natural que você pode imaginar.
E, ali no meio estou eu, que fui criada em uma sociedade onde o feminismo é estigmatizado. No entanto, foi através da minha experiência de vida, intergeracional, entendendo as diversas realidades, mas principalmente, através da empatia que me dei conta de que, se olharmos juntos para a desigualdade de gênero e nos propormos a resolvê-la, iremos conseguir. Mas apenas faremos isso juntas.
Marcela Fujiy
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