*by Marcela Fujiy
A mulher assumiu uma posição, ainda que involuntariamente, de mulher-
maravilha. Ela coleciona obrigações: precisa lembrar do aniversário da sogra, ouvir o desabafo do parceiro, se preocupar com a comida, marcar o médico que o filho precisa ir. São tarefas infindáveis que consomem tempo e energia, mas que por algum motivo perdido na história da humanidade, ficou enraizado na sociedade atual que ela não tem direito de apenas não estar ali para todas essas coisas.
O chamado “emotional labor” é um termo em inglês que se refere ao desgaste emocional suportado por apenas uma das partes. A responsabilidade sob os cuidados com seus próprios sentimentos e os do parceiro é um dever do casal, todavia não é sempre assim que acontece. O assunto vem sendo discutido mundo a fora, mas ainda está longe de ser desmistificado. O tema foi pauta de uma matéria, publicada em abril de 2018, em uma das páginas do jornal sueco Svenska Dagbladet e também em outros veículos como o jornal britânico The Guardian, o americano Huffington Post e a ONG feminista brasileira Think Olga.
Mesmo sendo um dos países mais igualitários no mundo de acordo com o Fórum Econômico Mundial
Mas afinal o que é o trabalho emocional? Diversas mulheres suportam o peso de não somente gerenciar seus próprios sentimentos, como também os de seus parceiros.
Trabalho, casamento, filhos, tarefas domésticas, cuidar do animal de estimação, tudo isso exige uma dedicação muito grande do casal. No entanto, da mulher espera-se mais. Sempre mais. São as chamadas tarefas invisíveis. Ser compreensiva, gentil, bem-humorada, boa mãe, boa esposa, saber ouvir, aconselhar, ser um ombro amigo.
São imperceptíveis por não se tratarem de tarefas práticas do cotidiano, como cuidar da casa, cozinhar, entre tantas outras. Trata-se de algo tão sutil que por vezes pode passar sem que as pessoas envolvidas percebam. No entanto, ainda assim, geram consequências e uma delas é o cansaço emocional. Todas essas características consistem em uma série de expectativas sobre a mulher das quais ela supostamente deveria corresponder. Acontece que quando essas tarefas são impostas como obrigações, elas deixam de tornarem-se prazerosas, como sinal de carinho e zelo por quem amamos, terminando como uma missão árdua de ter que dar conta sozinha de todo o suporte emocional e, com isso, a mulher fica sobrecarregada.
Claro que esse tipo de situação está suscetível às pessoas de ambos os sexos,
no entanto, essa sobrecarga recai comumente sob os ombros da mulher devido a construção social do estereótipo feminino e tudo que o engloba. “Mulher tem que ser feminina”, “mulher tem que saber ouvir”, “mulher tem que ser sensível”, “mulher tem que saber administrar os próprios sentimentos bem como dar apoio para as emoções alheias”. Todas essas frases de ordem pertencem ao imaginário social, uma espécie de memória-afetiva de uma cultura e que é mantida pela sociedade. O feminismo surge então como movimento contrário aos estereótipos estabelecidos para mulher, defendendo assim, seus direitos e sua liberdade. E isso inclui o direito de simplesmente não estar disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano, como tem sido esperado em muitas situações.
A matéria citada anteriormente do Huffington Post exemplifica bem uma situação de suporte emocional dado pela mulher, no caso, a Jen. O marido da moça pediu o divórcio após dez anos de casamento. No início, Jen ficou triste, quase entrou em um quadro de depressão. Em contrapartida, sentiu-se aliviada e livre. Mas mesmo com o divórcio, seu ex-marido insistia em mandar e-mails para saber como ela estava. Sem perceber, a moça estava dando um apoio emocional do qual ela e seu ex-marido sequer se deram conta. Inconscientemente era como se mesmo após o término, ele recebesse tudo o que sempre recebeu. É uma tarefa desigual já que não é recíproca. Jen estava ali por ele, ela sempre “deveria” estar ali para confortá-lo. Porém, o contrário não acontecia. Talvez o que seja mais frustrante no casamento em que não
há uma reciprocidade emocional é o fato de um parceiro não olhar para as
necessidades e os sentimentos do outro. Não haver o acolhimento do parceiro ou simplesmente da mulher ter o direito de não ter que lidar com determinadas situações.
É incrível como em pleno 2020 ainda tenha que se lutar por coisas tão básicas.
O fato do tema da paridade emocional ter sido pauta em jornais e blogues de grande porte e em diferentes países é um ótimo sinal. As reportagens têm potencial de levar informação para aqueles que não estão por dentro do assunto, bem como promover um ambiente de discussão acerca do que foi tratado. Mas talvez o que seja mais importante é que todas essas “Jen” espalhadas pelo mundo consigam perceber que elas podem sim falhar e que elas simplesmente têm o direto de não ter que dar conta de tudo sempre. É importante ter consciência que nem sempre elas vão estar disponíveis e que está tudo bem.
Links das referências que mencionei no texto:
https://www.huffingtonpost.com/psyched-in-san-francisco/why-women-are-tired-the-p_b_9619732.html
https://thinkolga.com/2017/07/13/disponibilidade-emocional-nao-e-obrigacao-da-mulher/
https://www.theguardian.com/world/2015/nov/08/women-gender-roles sexism-emotional-labor-feminism
https://www.svd.se/feminismens-nasta-front–den-omatbara-bordan
*Consultora e aceleradora de mulheres . Co-fundadora da Be.Labs Aceleradora
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