É preciso falar sobre esse fardo, que mais que sobrecarrega as mulheres
Desde que voltamos da Suécia, o nosso estilo de vida é algo que chama atenção. Dividir as tarefas domésticas e incluir os nossos filhos em todas as responsabilidades da casa é algo que aprendemos durante os 12 anos que moramos por lá. Propositalmente, ao decidirmos retornar ao Brasil, decidimos também manter o estilo de vida que aprendemos por lá, o que incluía não ceder a lógica do servilismo brasileiro – a obrigatoriedade de termos uma empregada doméstica.
O fato é que nosso estilo de vida chamava atenção desde que morávamos lá, claro, todas as visitas de familiares, ao começar pela minha mãe que se recusava a deixar Christian a passar uma roupa, e não cansar de dizer que eu tinha que agradecer todos os dias pelo marido que me ‘ajudava’ em casa.
É lógico que ter um parceiro que entende que a divisão das tarefas domésticas não é uma ajuda e sim uma obrigação como morador da mesma casa já é uma grande conquista, um privilégio, quando eu penso em todas as outras mulheres que precisam fazer isso sozinha.
Porém, sempre me senti sobrecarregada. Na verdade, eu olhava para Christian e invejava a capacidade dele de sentar e assistir a um jogo de futebol completamente relaxado.
Eu invejava a capacidade dele de, ao deixarmos nossos filhos com minha mãe, por exemplo, de simplesmente desligar a função pai. Eu nunca fui capaz de desligar a minha função mãe e, ingenuamente, atribuía essa ‘preocupação’ ao instinto materno.
Ou ao velho: ‘Ah…mulher é melhor nessas coisas mesmo!’
Ah, Marcela, sabe de nada, inocente!
A sensação era que minha cabeça não parava de trabalhar: consulta para marcar, evolução na escola, influência de amizades, manter a chama do casamento acesa, planejar as férias.
Isso para manter tudo e todos em harmonia, a família funcionando bem e todo mundo feliz.
Porque, convenhamos, é até fácil de ver e dar conta de quem é a vez de lavar louça, limpar ou cozinhar.
Agora, dar conta de quem é a vez de se preocupar se sua filha que outro dia comentou que os pronomes neutros eram importantes para ela, se isso tem um significado mais profundo do que apenas uma curiosidade. Ou de quem é a vez de ficar atento se seu filho adolescente durante a pandemia desenvolveu algum hábito ruim por tanto tempo no computador, ah….isso é punk.
Pois bem, é quase impossível dividir tarefas de como confortar, cuidar e aprofundar o relacionamento com os filhos.
E, invariavelmente, isso recai para a mulher.
Carga mental ou trabalho emocional é o nome que se dá a esse trabalho invisível que nos é atribuído.
A primeira vez que eu escutei falar desse assunto foi em 2018. Meus filhos já tinham 13 e 10 anos, ou seja, eu já havia investido uma boa dose de trabalho emocional ao longo desses anos.
Em uma reportagem, o Svenska Dagbladet abordou o assunto como ‘A próxima luta do feminismo: paridade emocional’, questionando justamente como tirar esse fardo de nós mulheres quando é tão difícil mensurá-lo e tão facilmente estigmatizado.
Ao mesmo tempo, comecei a trabalhar com centenas de mulheres na Be.Labs e fui percebendo o quanto aquilo não era uma exclusividade minha. O quanto tínhamos que fazer daquela carga mental algo consciente para podermos discutir os problemas causados por eles. Porque, até então, é tudo no automático. No subconsciente e não reconhecido pela sociedade.
Quando menos esperamos: o ‘burnout’, que pode, inclusive ser visto como um problema sistêmico da sociedade, se aproxima.
A pandemia, assim como em muitas outras frentes, só veio agravar essa situação.
De acordo com o estudo “Women’s Forum”, realizado pelo Instituto Ipsos com mais de 3,5 mil participantes nos países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), e divulgado em setembro de 2020, 79% das mulheres relataram que estão mais cansadas e estressadas pela carga mental da casa – entre homens, a porcentagem foi de 61%.
No Brasil, segundo estudo realizado no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e publicado na revista acadêmica Plos One em fevereiro de 2021, mulheres foram mais afetadas emocionalmente na crise sanitária. Entre os 3 mil voluntários, 40,5% das mulheres relataram sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse.
Três anos se passaram desde que eu ouvi pela primeira vez o termo ‘ carga mental’ ou ‘ trabalho emocional’. Desde então eu venho tentando lidar com isso de uma forma mais consciente, o que inclui algumas surtadas, voltar à terapia, tratar as minhas crenças limitantes e, o mais importante, conversar com Christian, meu parceiro, para que juntos possamos desconstruir o que a sociedade nos ensinou.
Do alto do meu privilégio, de quem pode se dar ao luxo de contar com o parceiro, de surtar e procurar terapia, sigo com a missão de trabalhar com mulheres empreendedoras na Be.Labs, construindo com elas uma sociedade em que juntas possamos nos livrar de todos os paradigmas a nós impostos.
Fontes:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/04/15/O-impacto-da-pandemia-na-carga-mental-das-mulheres
https://www.theguardian.com/world/2015/nov/08/women-gender-roles-sexism-emotional-labor-feminism
https://www.huffpost.com/entry/why-women-are-tired-the-p_b_9619732
https://www.svd.se/feminismens-nasta-front–den-omatbara-bordan
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